quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Vento...by Frei Adani Carlos Guerra, OFMCap.

Abacou, HAITI, 22 de janeiro de 2011.
Queridos amigos,olá!

Pensei duas vezes, mais, para começar a escrever este e-mail. Por diversos motivos estava em dúvida. Primeiro, por que hoje o cansaço é muito, sinto meu corpo pesado, e, segundo, realmente, talvez esse seja o principal, não sei se conseguirei encontrar palavras para que vocês consigam compreender a sublimidade dos momentos vividos nesses dois últimos dias. Acredito que serei breve. Ah, e vocês, se conseguirem, e não for pedir muito, hoje não esperem muito por mim, procurem sempre colocar um pouco mais de emoção daquilo que está escrito.

Ontem, dia 21, sexta-feira, o dia foi cheio de atividades. Acordei em Beroud. Logo após o café, já partimos para a cidade de Chantal que fica a uns dez quilômetros de Beroud, onde, eu e frei Lori, fomos no mercado público comprar tábuas e alguns legumes. Nosso meio de transporte foi o que aqui se chama de “Taptap”. Para que vocês consigam entender, taptap é uma camionete, na maioria das vezes velha, até agora todas que já vi são, que transportam pessoas. Aliás, não apenas pessoas, tudo o que as pessoas se dão o direito de levar. Por exemplo, Chantal é uma das cidades onde acontece o mercado, então, todas as pessoas das cidades vizinhas vão comprar e vender lá. Vão de que? Taptap. Onde levam as mercadorias para fazer os negócios? No taptap. Eu fui sentado no capô. Sim! Onde há espaço as pessoas vão. Ficam um pouco mais do que superlotadas. Mandiocas, galinhas vivas, roupas, espigas de milho, bacias, e tudo mais o que vocês podem imaginar são transportados em cima dos taptaps com as pessoas. Quando alguns taptaps se encontram, as pessoas se saúdam, gritam, da mesma forma quando passam pelas pessoas que estão na estrada ou em suas casas. Ô felicidade, alegria! Seguido gritavam pra mim: ‘blan, blan!’ (branco, branco!). E eu também soltava o grito, ‘bonjou!’ (bom dia!).

Para quem não conhece mercado público e vai pela primeira vez quase enlouquece. É um mar de pessoas que lutam pela sobrevivência. A desorganização é incrível. As pessoas ficam sentadas no chão, com as mercadorias ao redor, você, pra passar, precisa pular, os transportes que vem e vão, sem respeito nenhum, sem prioridades, quem pode mais chora menos, cavalos, burros e mulas que passam com mercadorias em cima, e, ao mesmo tempo, pisando em mercadorias, cheiro forte, horrível, que você nem consegue distinguir de quê é, pessoas gritam, vacas caminham, e assim vai. Uma loucura! Pra nós, pelo menos pra mim, foi e continua sendo algo fora do normal, porém, claro, para os haitianos, sendo a única forma que conhecem e fazem, é parte dos seus dia-a-dias. O que também me chamou a atenção foi a alegria do povo, sempre sorrindo, e as criancinhas que ficam perdidas em todos os lugares, embelezando aquele cenário tão deprimente, ou, melhor seria dizer, tão ‘sobrevivente’, brincando com qualquer coisa que encontram no chão.

Logo que voltamos para Beroud, já partimos para a cidade de Les Cays. A terceira maior cidade do Haiti. Lá fomos fazer alguns negócios. A agitação, embora sendo cidade grande, é a mesma. Nas atividades que fizemos lá, entre elas, comprei um celular pra mim, bem simples, apenas para necessidades. Chegamos de volta em Beroud para almoçar já passava das 14h00min. Imaginem o tamanho do meu cansaço. E da fome também.

Após o almoço já comecei a preparar minha mala, pois, nesse mesmo dia, iríamos voltar para casa, eu iria pra minha casa. O coração estava sereno, em paz. A viagem ocorreu da melhor forma possível. Sabem quando saímos de férias, ou fizemos algum curso, ou, de qualquer forma, que ficamos alguns dias fora de casa, e não vemos a hora de voltar? Pois é, quando estávamos chegando, esse era o sentimento que se passava comigo. Para meu espanto, quando já estávamos na cidade de Abacou, alguns metros antes de chegar em casa, a única música francesa que conheço a tradução, e que gosto muito, começou a tocar no rádio. Se chama ‘Sous le Vent’ (Sob o Vento) e é cantada por Céline Dion e Garou. Mais ou menos ela diz o seguinte, ‘... e se você crê que estou com medo, é falso... faça como se eu fosse pelo mar, eu armei a grande vela, e deslizei sob o vento... faça como se eu deixasse a terra, eu encontrei minha estrela, e a segui por um instante... sob o vento’. Tive certeza, serei muito feliz aqui! O vento soube me conduzir para terras onde precisam de mim e, na minha doação, serei feliz. Quando desembarcamos, vários amigos, que eu já os conhecia da primeira vez que estive aqui, correram para nos saudar e nos ajudar a levar as malas para dentro e mais alguns materiais que trouxemos. A receptividade, a disponibilidade, a calorosa acolhida, foi algo que mais ume vez me encantou.

Ao deitar na cama, o sono veio logo, o cansaço era grande, e também, estava muito contente, realizado, parecia que estava deitado em nuvens. No final do primeiro dia, vi que tudo era bom...

Hoje, aproveitei para tentar me comunicar com o povo que vem nos visitar. Nossa! Muitos vêm! Vale tudo, mímica, gestos, desenhos, pequenos teatrinhos, e tudo mais que pode nos ajudar na compreensão daquilo que queremos dizer. Se não conseguimos perfeitamente nos entender, ficamos, ao final, felizes pelas tentativas, e com a compreensão de algumas coisas. Lembro uma das primeiras frases que escutei do frei Lori, ainda quando estava no Brasil, e que guardei na memória: “a língua falada do povo, lá no Haiti, por exemplo, o creol, é muito importante, é necessária para que consigamos nos relacionar com o povo quando estamos em missão, porém, não é essa que deve estar em primeiro lugar, existem outras duas línguas que quando vamos para a missão devemos já saber, a língua do amor e a língua do respeito”. Meus amigos, na prática, isso vale mesmo! Quando puderem, tentem. Depois, penso, também, que estas duas línguas devem estar presentes em qualquer tipo de comunicação.

Pela manhã, aproveitei também para arrumar meu quarto. Varrer, limpar, etc. Dou um destaque, e penso que vocês vão gostar em saber, no meu guarda-roupa. Na realidade, não trouxe muitas coisa, apenas algumas camisetas, dois, três calções e algumas peças íntima, porém, mesmo assim, precisei de um lugar para guardá-los. O guarda-roupa, foi construído por mim. O frei Sérgio, aqui, chama de guarda-roupa ecológico. São três caixas de papelão colocadas uma em cima da outra. Uma para as camisetas, outra para os calções e roupas intíma e, uma última, para as roupas sujas. Pessoal, vocês acreditam que ele ficou até bonitinho! Bem prático. Estou feliz!

A tarde, aproveitamos o lindo dia e maravilhoso mar para nos banhar. Eu, frei Lori e frei Sérgio. Aquelas bacias de águas transparentes nos permitiram um bom descanso.

Meus amigos, tenho certeza que hoje meu sono será sereno, cheio de paz, pois meu coração está feliz.

Paz e Bem!
Abraços haitianos,
Frei Adani Carlos Guerra, OFMCap.

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