quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

OS PRIMEIROS DIAS DE EXPERIÊNCIA MISSIONÁRIA NO HAITI by ADANI CARLOS GUERRA

Meu amigo, o Frei Adani Carlos Guerra, do Rio Grande do Sul, está em missão no Haiti e, aos seus amigos encaminhou suas considerações, bem como fotos de seus primeiros dias naquele país. A seguir, considerações de Guerra. Acompanhe:

Meus queridos amigos e amigas,Paz e Bem!

Como vocês estão? Espero que este encontre vocês muito bem. Alegres, contentes. Que um coração feliz, o meu, possa falar a outros corações felizes, os vossos. Ou, caso não estiverem, que se alegrem ao receber notícias, minha partilha, sobre esses primeiros dias de experiência missionária no Haiti.

Até que enfim consegui um tempinho para sentar e escrever um pouco. Aliás, tempinho não, pois tenho certeza que ficarei umas boas horas aqui. Escrevendo... apagando... escrevendo... apagando. Sei que o tempo é questão de coordenação, mas, verdade mesmo, houve algumas implicâncias que não me deixaram. E, claro, nesses primeiros 15 dias não me importei muito com questões de organização, deixei espaço, como meu mestre de noviciado dizia, para o ENCANTAMENTO. Caminhei muito, tentei ao máximo me comunicar com o povo, contemplei as lindas e maravilhosas paisagens e rezei a realidade. Agora que estou começando a coordenar meu tempo: espaço para trabalho, espaço para estudo, espaço para rezar, espaço para isso e espaço para aquilo. E, adiantando, como verão ao longo deste, já estou encantado com o Haiti.

Quando o relógio marcava exatamente 23h00min (horário de Brasília), sem atrasos, do dia 31 de dezembro de 2010 estávamos partindo da capital gaúcha em direção a São Paulo. Até chegar em Porto Alegre, na despedida dos pais e irmão e nesse momento, quando já estava sentado dentro do avião, pronto para viajar, o coração começou a bater mais forte, doeu um pouco. Não! Não foi por ser a primeira vez que estava dentro de um avião. Penso que comecei a me dar conta do quanto longe estava indo das pessoas que amo... pais, irmão, avó, padrinhos, família e amigos. E do quanto séria é esta minha decisão. Claro, em nenhum momento passou algum sentimento de arrependimento. Ah! Iniciamos 2011 voando.

Nas várias escalas que fizemos, embarques e desembarques, até chegar à capital haitiana Porto Príncipe, muitas foram as emoções que se passaram. E, principalmente, as certezas. Uma, que missão é justamente isso, além de percorrer grandes distâncias, ir para outros continentes, é fazer a longa viagem de sair de si mesmo, deixar os amores, e ir ao encontro do outro, do diferente, do “não saber como será”, apenas, como Francisco de Assis, ir e procurar “construir” a Paz e o Bem”. Aliás, lembro que a razão desta minha decisão é “Francisco de Assis e Jesus Cristo”. Claro, e também outra certeza, que, na realidade, não estava deixando ninguém, afinal, embora a distância física que nos separa pareça imensa, estamos muito perto, tão próximo que nem nos damos conta, pois, QUEM MORA NO CORAÇÃO NUNCA ESTÁ LONGE. E, outra das certezas, aquela que o poeta nos ensina, que sentir saudades é bom. Ele mesmo nos diz “só se tem saudade do que é bom, se chorei de saudade não foi por fraqueza, foi porque amei". Sinto saudades, porque amo!

Ao chegarmos em Porto Príncipe, juntamente com frei Sérgio Dalmoro e dona Lucila Defendi, mãe de frei Sérgio que está na missão aqui no Haiti, tudo estava misturado, parecia que meus sentimos haviam entrado num liquidificador... insegurança, alegria, medo, realização, etc. Sorte que eles estavam ao meu lado, isso me dava segurança. Muito obrigado frei Sérgio e dona Lucila!

Confesso que as primeiras imagens do Haiti me assustaram muito. Dizia para todos que estava preparado, que sabia o que iria encontrar, que a mala espiritual já estava preparada a muito tempo, mas, embora amparado pelos meios de comunicação, que procuram nos mostrar a verdadeira realidade haitiana, não conseguimos imaginar o quanto de pobreza e miséria pode haver num lugar. É mais do que imaginamos! Precisamos colocar os pés no chão para senti-lo. Dói o coração, assusta!

Embora esse sentimento foi se acalmando com o passar das horas, realmente terminou e um outro começou a surgir no domingo de manhã, dia 02 de janeiro de 2011, quando, numa celebração na cidade de Beroud, onde estou hoje, mas não irei morar, depois conto sobre o que irei realizar aqui e onde irei ficar, senti a alegria do povo e o carinho sem medidas que ele é capaz de nos dar. Isso me cativou! Ah, o sentimento que começou a surgir nesse momento, como falei, foi o de responsabilidade, de doação... e claro, onde há responsabilidade, doação, há o amor. Certo é quem canta “o caminho é o amor”.

Alguns momentos que marcaram esse primeiro contato com o Haiti... lembram quando escrevi sobre aquela imagem de grande miséria ao sair do aeroporto de Porto Príncipe? Pois é, o sol brilhou quando mirei, no meio de toda aquela sujeira, pobreza, destruição, caos, dois meninos sorrindo: o mais velho deve ter em torno de 13 anos e o mais novo acredito 7; estava, o mais novo, dentro de uma bacia cheio de espumas e água, enquanto o outro o lavava. Que imagem linda! As lentes do coração registraram essa foto.

Semana passada, fiquei em Abacou, cidade onde vou morar e trabalhar. Ela é linda! As pessoas são muito acolhedoras, sensíveis, afetuosas. Nas fotografias que estou enviando muitas são de lá. A cidade é iluminada! Iluminada porque tem uma luz própria, pois, na cidade não há luz. Foi uma experiência muito bela caminhar durante a noite no escuro. E ver, toda a cidade, iluminada com velas. Realmente, uma cidade a luz de velas! Abacou é muito simples, as casas são, a grande maioria, cobertas com palha, com a cozinha separada, conforme mostram as fotos, algumas com portas, outras apenas com cortinas. Gostei daquelas que não tem porta, assim, sei que posso ir sempre visitá-los e eles nunca irão bater a porta na minha cara. A cidade é uma praia, as águas são transparentes, fui todos os dias para o mar. Alguns lugares formam como bacias, onde conseguimos nos banhar, em águas limpas onde até os pés vemos. Que piscinas naturais! Lá aprendi as primeiras palavras em “kreyòl” (creol), a língua oficial do povo haitiano, o próprio povo me ensinou, como “bonjou” (bom dia), “bonswa” (boa tarde), “bonwi” (boa noite), “wi” (sim), “non” (não), “ademen si Dye vle” (até amanhã se Deus quiser), “kouman ou ye?” (como você está?), “ki jan ou rele” (qual é teu nome), e assim por diante. É lindo conseguir estabeler uma comunicação, embora pobre e pequena, com “pessoas diferentes”. Claro, embora não sejam diferentes, mas justamente por não falar a mesma língua que você é isso que muitas vezes acaba pensando. Tenho certeza que terei muito o que fazer, trabalhar, evangelhizar, propagar a Paz e o Bem lá em Abacou, rezem por mim. Ah, outra coisa, comentando sobre rezar, lembrei, não tenho dúvidas, é a oração de todos vocês que está me dando forças, me animando e me fazendo tão animado nessas terras. Obrigado!

Não falei sobre as estradas de Abacou, que não são nada boas. Outro dia, se não me engano na quinta-feira passada, dia 6, fomos visitar uma comunidade da paroquia, a paróquia tem 3 comunidades, 4 com a matriz, que fica a mais de 2 horas de caminhada. E, verificamos com os próprios pés como são as estradas. Mas, em outro momento falo sobre elas. E sobre a caminhada, claro.
Pessoal, atenção! Não quero aqui passar uma imagem apenas romanceada daquilo que estou vivendo e irei viver. Eu e vocês sabemos muito bem dos grandes desafios que estão presente diariamente na vida de um missionário, outra cultura, outra língua, outra comida, a diferença de temperatura, aqui no Haiti, por exemplo, o calor muito forte, estamos no inverno e os termometros marcam em torno de 26ºC, a saudade, como já falei, o esforço físico, etc., porém, acredito realmente que quando querermos algo do fundo dos nossos corações, quando desejamos algo com toda a nossa força, quando, como Francisco de Assis dizemos “é isto que quero, é isto que desejo, é isto que procuro do fundo do meu coração”, tudo se torna secundário, sendo o principal aquilo que queremos. E, pra mim, é a missão. Sim! Sei que os desafios virão com o tempo, que só fazem alguns dias que estou por aqui, mas, não tenham dúvida, eu rezo, e, depois, quando eles chegarem, escrevo novamente contando a vocês.
Agora estou em Beroud, onde tenho acesso a internet. Aqui estou estudando mais intensamente o creol, com a ajuda do frei André Barros, também missionário brasileiro, que por sinal é um ótimo professor, e também ajudando em alguns trabalhos dos mais diferentes gêneros. Imensamente grato ao frei André.

Só vou contar mais uma experiência, prometo; acho que já os cansei, mas, sinceramente, essa não era minha intenção. No dia 11, terça-feira, ajudei o frei Lorí Vergani, também brasileiro, na construção de alguns bancos e classes para uma escola. Como vocês sabem, não tenho um bom preparo físico, por isso levei uma boa de uma cansadinha, porém, a felicidade extrapolou em mim. Conheci algumas escolas, com os meus próprios olhos contastei o quanto a realidade é humilde, pobre, necessitada, e pensar que eu estava ajudando na construção de um melhor ambiente de estudo para tantas crianças só me deu alegria. As palavras que frei Lori sorrindo dizia eram como se fossem minhas também: “vale a pena gastar a vida por isso, vale a pena suar!” Confesso que o cansaço físico foi grande, porém, o coração estava muito leve.
Lembro que no dia 12 completou um ano do terremoto que detruiu o Haiti e causou tantas mortes. Muito obrigado aos que lembraram de rezar! Aos que não rezaram, rezem pelos que se foram e por nós que aqui estamos. Nesse dia, numa celebração especial, notei o quanto também religioso é o povo haitiano, as Igrejas abriram suas portas para receber gente que foram para rezar e ficaram lotadas. Aqui, há muita fé!
Antes de terminar, do fundo do meu coração gostaria de agradecer aos freis aqui do Haiti, principalmente das casas que pertencem as cidades de Beroud, Abacou e Corail, pela acolhida e pela amizade. Muito obrigado! Todos estão sendo muito atenciosos, fraternos, comigo.

Meu amigos, como vocês me conhecem, sabem do quanto gosto de escrever, por isso, acho que, como sempre, já escrevi demais, então, tenho que deixar para outro momento. Fiquei feliz em partilhar minha vida com vocês! E também, acredito que vocês não conheciam esse lado, esse paraíso chamado Haiti.
Reforço que estou muito bem, contente, feliz. Peço que rezem por mim, pois preciso, e tenham certeza que estarei rezando por vocês.

Saudades!
Abraços fraternos e minhas oração,
Frei Adani Carlos Guerra, OFMCap.

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